TARCÍSIO DE FREITAS PROMOVE DESMONTE DA PESQUISA CIENTÍFICA EM SÃO PAULO
O governador Tarcísio de Freitas está promovendo um desmonte sistemático da pesquisa científica estadual, por meio da entrega do patrimônio de instituições públicas e precarização do trabalho dos …

O governador Tarcísio de Freitas está promovendo um desmonte sistemático da pesquisa científica estadual, por meio da entrega do patrimônio de instituições públicas e precarização do trabalho dos pesquisadores. O governador bolsonarista manifesta seu desprezo pelo conhecimento científico, pela conservação de áreas de experimentação e descaso diante da emergência climática e leva ao limite sua irracional sanha privatista, quando propõe transformar um patrimônio construído ao longo de décadas em negócios atrativos para o setor privado.
Tarcísio pretende colocar à venda 35 áreas públicas utilizadas para pesquisa científica, situadas em 24 municípios paulistas. A proposta, que foi divulgada no Diário Oficial em 8 de abril, juntamente com a convocação de audiência pública com a comunidade científica, está sendo repudiada por pesquisadores, comunidade acadêmica e por deputadas e deputados da bancada da Federação PT/PCdoB/PV e de outros partidos de oposição, na Assembleia Legislativa de São Paulo.
A justificativa do governo baseia-se na necessidade de “gerar valor para o Estado”, conforme declarado pelo governador, que minimizou a importância do patrimônio público e afirmou que “não dá para ficar se apegando ao patrimônio”. O governo tem alegado que os imóveis a serem leiloados oneram os cofres públicos, apresentando altos custos de manutenção e poucos resultados sociais e econômicos. No entanto, cientistas e especialistas denunciam que essa narrativa ignora o papel estratégico dessas unidades para a pesquisa em segurança alimentar, enfrentamento da crise climática e desenvolvimento do agronegócio sustentável.
GOVERNO FEZ SONDAGENS AO MERCADO
A proposta de privatização de áreas experimentais pelo governo foi acompanhada pela tentativa de lançamento de um portal de vendas de imóveis públicos (imoveis.sp.gov.br), que ficou no ar entre 5 e 10 de março, antes de ser retirado com a justificativa de “erro técnico”. O site permitia consultas e manifestações de interesse em cerca de 200 imóveis em 20 municípios. A Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC) suspeita que o site tenha sido uma ferramenta para sondar o mercado, principalmente devido ao alto valor imobiliário de diversas propriedades listadas, como áreas do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI).
Entre as áreas ameaçadas de venda, destaca-se a unidade regional de pesquisa de Tietê, fundada em 1924, que realiza estudos essenciais para a agricultura paulista, como o desenvolvimento de variedades de feijão e soja. Também figura nessa lista a fazenda de São Roque, referência em pesquisas sobre uva orgânica e técnicas sustentáveis de cultivo, além de ter impulsionado a indústria vitivinícola local.
A reação da comunidade científica tem sido forte. A APqC entrou com uma ação judicial que levou à suspensão temporária da audiência pública sobre a venda dos imóveis. O Tribunal de Justiça de São Paulo, ao julgar o caso, determinou que o Estado apresente um plano de ação sobre as pesquisas realizadas nas áreas em questão, bem como um estudo econômico justificando a proposta de alienação.
PRECARIZAÇÃO E DESVALORIZAÇÃO DA CARREIRA DE PESQUISADORES
Além da venda de terras, o desmonte da ciência também se manifesta no sucateamento das instituições de pesquisa e na precarização das condições de trabalho dos pesquisadores. A carreira de pesquisador científico estadual acumula 13 anos de perdas salariais. Segundo a APqC, a proposta de reajuste do governo Tarcísio representa apenas 50% do prometido anteriormente e foi formulada sem diálogo. A proposta baseia-se na forma de remuneração por subsídios, impedindo a valorização do salário base, que serve como referência para os adicionais por tempo de serviço e por responsabilidade, o que desestimula servidores experientes de seguirem na carreia e agrava a crise de evasão.
Há cerca de 7.900 cargos vagos nas carreiras de apoio e pesquisa no estado, o que gera sobrecarga de trabalho e leva ao adoecimento dos trabalhadores. Segundo dados da APqC, os 15 institutos públicos de pesquisa de São Paulo contam com apenas 2.200 profissionais ativos. Isso resulta em um número reduzido de trabalhadores por unidade, o que dificulta o desenvolvimento de pesquisas essenciais em áreas como agricultura, meio ambiente e saúde pública. Entre os institutos mais reconhecidos estão o Instituto Butantan, o Adolfo Lutz e o próprio IAC.
De acordo com estudo do DIEESE, entre 2013 e 2023, os salários dos pesquisadores encolheram cerca de 70%, com apenas 20% de reajuste frente a uma inflação acumulada de 77%. Enquanto o orçamento geral do Estado prevê crescimento de 14% em 2025, a verba destinada à Secretaria de Agricultura foi reduzida em mais de 18%, mesmo abrigando instituições vitais para a pesquisa e o desenvolvimento agropecuário.
FALTA DE TRANSPARÊNCIA E DE CLAREZA DOS OBJETIVOS
A presidente da APqC, Helena Dutra Lutgens, tem criticado duramente o governo por conduzir o processo de forma opaca, sem estudos técnicos, debates qualificados ou avaliação do impacto que a venda dessas áreas trará para a sociedade. Para ela, trata-se de um “desmonte silencioso” da pesquisa pública. Ela alerta que as áreas em questão são estratégicas para o desenvolvimento de técnicas sustentáveis, além de funcionarem como apoio direto à agricultura familiar e à segurança alimentar nacional.
Economistas e representantes do agronegócio também se manifestaram contra a proposta. Pedro Afonso Gomes, presidente do Conselho Regional de Economia da 2ª Região de São Paulo, afirmou que a venda das áreas pode inviabilizar a pesquisa voltada à agricultura familiar, que é responsável por 73% dos alimentos que chegam às mesas dos brasileiros. Já Pedro de Camargo Neto, ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira, afirmou que os valores arrecadados com a venda dessas propriedades seriam irrelevantes diante do orçamento do estado e que, diante da crise climática, o mais sensato seria aumentar os investimentos na pesquisa pública.
Além dos prejuízos imediatos à ciência e à agricultura, especialistas alertam para a perda da autonomia científica, já que a privatização pode sujeitar os pesquisadores à lógica do mercado, reduzindo a possibilidade de desenvolver pesquisas de interesse público sem retorno financeiro imediato.
O geógrafo e doutor em Política Científica e Tecnológica, Rogério Bezerra da Silva, denuncia que o governo de Tarcísio tem deliberadamente promovido o esvaziamento dos institutos de pesquisa para justificar a sua venda. Segundo ele, o plano segue uma lógica privatista que ignora a importância social e estratégica desses centros, ao mesmo tempo em que aposta na valorização imobiliária das áreas onde se localizam. Um exemplo claro seria a fazenda do IAC, localizada em uma área nobre de Campinas, já destinada a empreendimentos econômicos no Plano Diretor da cidade.
A conclusão dos pesquisadores é que o desmonte atual compromete não só o presente, mas o futuro da ciência, da alimentação, da saúde e da soberania tecnológica e ambiental do Estado de São Paulo. Eles defendem a reversão das propostas de venda, a recomposição salarial e a contratação de pessoal qualificado, sob pena de o Estado perder décadas de investimento público em ciência e tecnologia. A mobilização da comunidade científica, do judiciário, de setores econômicos e da sociedade civil é vista como essencial para impedir a destruição de um patrimônio coletivo fundamental para o desenvolvimento sustentável do Brasil.
